quinta-feira, 18 de junho de 2009

Legalização aumenta n.º de abortos

26/05/09

Legalização aumenta número de abortos na África do Sul
Procedimento é legal no país desde 1996.Apesar das muitas opções para abortar, clandestinidade continua.
Natalia da Luz


Assunto polêmico no Brasil (e em Portugal), na África do Sul o aborto já é legal desde 1996. No país, ele é praticado por crianças e mulheres na faixa entre os 12 e os 45 anos. O procedimento é gratuito para as gestantes que não têm condições de pagá-lo. Para as que podem financiar um serviço mais rápido e confortável, existem centenas de clínicas privadas.

No meio do caminho, há uma organização não-governamental que oferece serviços e informações relacionadas a saúde, sexo e reprodução, em 41 países. Somente na África do Sul, a Marie Stopes S.A. tem 23 clínicas. A instituição é a única do país com certificado do governo e a primeira a levantar a voz contra os abortos inseguros.

“Temos grandes cidades, mas a maior parte do país é rural. As pessoas moram distante e não têm instrução. Essas áreas concentram abusos sexuais de todos os tipos e negligência na saúde. Qualquer um pode pegar camisinha e pílulas nos hospitais e nas milhares de organizações, mas isso não acontece. Os pacientes são relapsos, não dão continuidade ao tratamento e não se previnem. Depois param em mãos erradas”, diz Laila, destacando a enorme indústria clandestina que se beneficia com o aborto. “A mulher escolhe se ela vai ou não levar a gravidez adiante. Aqui ela tem esse direito. O que não podemos permitir é que milhares morram em condições durante um tratamento inseguro”, conta Laila Abbas, porta-voz nacional da Marie Stopes, que, apenas no ano passado, realizou 36 mil abortos, um pouco mais da metade dos 60 mil feitos pelo governo.

Apesar de o tema levantar discussões entre movimentos religiosos e laicos no Brasil, do outro lado do Atlântico todos parecem bem acostumados com o assunto. A partir de 1996, a lei (Choice on Termination of Pregnancy - número 92 de 12 de novembro de 1996) que dá às mulheres o direito de escolher a interrupção da gravidez vem sendo cumprida. Ela ratifica os direitos de cada um sobre decisões reprodutivas e determina que homens e mulheres devem ter acesso a procedimentos seguros e eficazes. Após a entrada da lei em vigor, o número de abortos cresceu, segundo dados do governo. A maior diferença foi na província de Gauten, onde fica Jonhanesburgo. Em 1996, o número de abortos foi de 13.505. Em 2004, segundo as estatísticas do governo, chegaram a 36.845, um crescimento de mais de 200%. Em Eastern Cape, província com vasta área rural, a situação em relação aos métodos contraceptivos é ainda mais precária. Mesmo assim, o aumento foi considerável, de 2.693 em 1996 para 10.015 em 2006. Na última década, a Marie Stopes e o governo realizaram, ao todo, mais de 670.600 abortos em toda a África do Sul. “Cada uma tem uma motivação diferente para fazer o aborto. O país não julga a opção da mulher. Por isso, muitas de países visinhos vêm para cá”, conta Laila. Zimbábue e Namíbia, países vizinhos, têm governo absolutamente contrários à legalização do aborto. Durante a visita do G1 à organização, conversamos com uma namibiana que aguardava ser chamada para finalizar o procedimento.


R.S,.representa um perfil de gestante que, a primeira vista, não parece comum, mas que exista na realidade sul-africana. Bancária, 31 anos, casada e mãe de dois filhos (4 e 6 anos), seu maior incentivo para desistir do terceiro foi a situação financeira precária. “Os gastos são altos demais para uma terceira pessoa. A família está completa e compartilha a decisão”, diz, mencionando que, desde o início, teve o apoio do marido. Ela estava na clínica pela segunda vez. O dia anterior havia sido destinado aos esclarecimentos. Depois de sanadas as dúvidas, a paciente marca o horário para o procedimento cirúrgico, que dura cerca de cinco minutos. Na sala de cirurgia, o tempo é curto porque, na verdade, o processo começa bem mais cedo. Dependendo do tempo de gravidez, as mulheres tomam de duas a seis pílulas abortivas que determinam o início do processo. Elas tomam duas das pílulas na própria clínica. O processo entre as salas de espera, cirúrgica e de repouso leva quatro horas. Depois, todas estão liberadas. Por esse serviço, a cliente paga no mínimo 2.420 rands (R$ 590) e, no máximo, 3.430 rands (R$ 835). No caso de R, que estava com 14 semanas de gravidez, o preço foi o mais caro. Ela tomou conhecimento sobre a clínica pela internet, após descobrir a gravidez no final de março. “Eu me descuidei. Parei de tomar pílula. Quando soube da gravidez pensei na possibilidade do aborto. Pesquisei na internet e encontrei a Marie." A taxa de natalidade sul-africana está em 2,6 filhos por mulher, bem próxima da brasileira, que é de 2,3 filhos. Devemos considerar, também, as condições em que muitas mulheres fazem o aborto.


“Elas não querem o filho e se jogam de escadas, introduzem objetos para atingir o bebê e acabam perfurando outros órgãos”, exemplifica Leila. Segundo ela, 40% dos 50 milhões de abortos no mundo são realizados sem condições de segurança, em mulheres de 15 a 24 anos. Laila diz que, na África e na América Latina, 95% dos abortos são realizados em condições precárias, nada seguras, o que coloca em risco a vida da mulher. Por ano, 70 mil mulheres morrem fazendo abortos, e 5 milhões sofrem algum problema durante a cirurgia. F.J, de 20 anos, procurou a clínica com medo de se submeter a um procedimento sem segurança. Ela aguardava na recepção antes de seguir para a sala de espera. Calma, ela nos disse que a escolha, sem dúvida, era a melhor para ela. “Sou muito jovem e a gente está junto só há dois meses”, contou a jovem mostrando o namorado de 24 anos, que fazia companhia. Em casa, ninguém sabe, entre os amigos também não. F. estava bem decidida e parecia longe de qualquer arrependimento. “Nós ainda não trabalhamos. Não temos como formar uma família. Seria muito pior se escolhêssemos ter o bebê”, fala a jovem que estava na sexta semana de gestação. T.Y, o pai, observava a conversa quieto. Quando perguntamos a opinião dele (como pai) sobre a legalização do aborto, ele foi incisivo."Há situações favoráveis para ter um filho e, se não for o momento ideal, acho que podemos adiar essa etapa. Acho uma escolha justa."

Sem comentários: