sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A agressão dirigida a pessoas no poder pode aumentar, tal como os suicídios

Pedro Afonso Médico, psiquiatra diz que os governantes não transmitem segurança nem esperança e que isso tem um efeito desmoralizador sobre as pessoas.

O "grande sofrimento colectivo" que Portugal enfrenta neste momento, sem um fim à vista, conduz a situações mais dramáticas. E as respostas podem passar pela agressão auto-infligida (suicídio) ou a hetero-agressão (dirigida a pessoas no poder), avisa o médico psiquiatra Pedro Afonso. "Isso já se nota, as manifestações pululam por todo o lado, e [o fenómeno] vai aumentar", diz.

Recentemente escreveu, num artigo de opinião, que Portugal é um país deprimido e com medo. Não está a exagerar?

Não me parece, porque temos indicadores que apontam para um aumento dos casos de depressão relacionados com a actual crise e porque, neste momento, existe um clima de muito pouca esperança e de um grande sofrimento colectivo. Há vários casos individuais trágicos, de grande provação. E, acima de tudo, porque não se vislumbra um fim para esta situação. Essa é a grande questão. Todos nós suportamos durante algum tempo o sofrimento, mas é importante sabermos que este tem um fim.

Este sofrimento não tem um fim à vista?

Não só não há um fim como, pelo contrário, os anúncios de novas medidas se sucedem. Estas medidas avulsas restritivas, como o aumento consecutivo de impostos, acabam por ter um efeito desmoralizador nas pessoas. É preciso ir dando sinais às pessoas de que estamos a fazer progressos. A maior tortura que se pode fazer a uma pessoa é pô-la a fazer um trabalho sem sentido. Isto é um bocadinho, obviamente com algum distanciamento, aquilo que pode vir a acontecer entre nós - as pessoas sentirem que estão a trabalhar para pagar uma dívida, ficando cada vez mais com a percepção de que o esforço não servirá para nada.

É por isso que fala em falhas de comunicação do actual Governo?

O que há é, acima de tudo, uma incapacidade de transmitir segurança e de transmitir esperança. E dão-se sinais contraditórios às pessoas, o que é impensável nesta fase.

O que quer dizer com isso?

Os nossos líderes políticos não podem estar a exigir sacrifícios às pessoas e, por outro lado, a deixar outras de fora. Há privilégios e há determinados sinais que criam um sentimento de injustiça. Tem que haver algum recato, algum respeito.

Diz também que a sociedade portuguesa é uma sociedade moribunda, aludindo à baixa taxa de taxa de natalidade...

Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde, temos a segunda taxa de natalidade pior do mundo - só estamos atrás da Bósnia (1,3 filhos por casal). Há outro dado também interessante e que nunca é falado - nos últimos 15 anos, a percentagem de divórcios em Portugal quintuplicou. Sabendo nós que o divórcio é uma das principais causas da depressão, a par do desemprego, este fenómeno também está relacionado com o aumento das doenças psiquiátricas, nomeadamente das perturbações de ansiedade.

Portanto, o estudo de 2010 que falava de uma prevalência de 23% de problemas de saúde mental no país não o surpreendeu...

Penso que esse estudo não chegou a ser publicado. Precisávamos de ter acesso a resultados mais minuciosos. Outro fenómeno que devia ser estudado é o do aumento do suicídio. Dados de 2010 indicam que [a taxa de suicídio] já ultrapassou as mortes por acidentes na estrada (mais 86). O INEM também alertou para o aumento do número de chamadas por tentativas de suicídio [este ano]. Sabemos, de resto, que há uma correlação entre a crise económica e o aumento do suicídio.

Essa correlação não é assim tão directa...

Portugal participou num estudo publicado em 2009, na União Europeia, que prova que cada aumento de 1% na taxa de desemprego está associado a uma subida de 0,8% nos suicídios. E um aumento superior a 3% na taxa de desemprego encontra-se associado a um acréscimo de 4,5% de suicídios.

É possível fazer alguma coisa para evitar que isto aconteça?
Sim. Há dois casos históricos de países da União Europeia que conseguiram inverter este fenómeno: na Suécia, o desemprego subiu de 2,1% para 5,7% entre 1991 e 1992 e, apesar disso, a taxa de suicídio diminuiu. Outro caso é o da Finlândia, onde o desemprego passou de 3,2% para 16,6% em três anos (entre 1990-1993) e as taxas de suicídio diminuíram. Este fenómeno pode ser, em parte, explicado porque as autoridades destes países tomaram consciência do problema e implementaram modelos fortes de protecção social e programas de estímulo à procura e à criação de emprego.Mas já existe um plano de prevenção da depressão e do suicídio e o seu coordenador disse esta semana, aliás, que este é o momento certo para investir...

Eu acho que mais vale tarde do que nunca. O que me parece que não existe é uma linha de apoio, verdadeiramente nacional, SOS Suicídio. Ao que julgo saber, não tem pessoas profissionalizadas a colaborar, o trabalho é voluntário. Esta linha nacional devia ter ligação ao INEM. É também necessário acompanhar, no terreno, os casos mais dramáticos, das pessoas que vivem em grande isolamento e têm doença psiquiátrica grave prévia. Tem que haver uma conjugação de esforços entre os Ministérios da Saúde e da Segurança Social. Devem emanar directrizes, recorrer às equipas, a assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras que já existem. Outros casos a ter em atenção: quando ambos os membros de um casal ficam desempregados, é necessário prolongar a ajuda. É importante que o Estado não crie situações que humilhem as pessoas. Até porque, perante situações dramáticas, há duas respostas possíveis: ou a pessoa comete uma agressão autodirigida (o suicídio) ou uma hetero-agressão (dirigida a pessoas no poder). Isso já se nota, as manifestações pululam por todo o lado, e [o fenómeno] vai aumentar.

Poderemos chegar à situação que se vive na Grécia?

Se não houver medidas, vai ser uma questão de tempo. E não é a Psiquiatria que vai resolver o problema.

O que podem as pessoas fazer?

Recorrer a todos os apoios que têm, recuperar laços familiares e de amizade e o espírito comunitário que se tem perdido, fruto da migração das pessoas para os centros urbanos. Há outra questão que pode ser perigosa: a lei da mobilidade dos funcionários públicos. É preciso aprender com os erros da France Telecom, onde este foi um dos factores que causaram uma onda de suicídios. Tem que se ter muito cuidado porque estamos a falar de pessoas e não de números.

Fonte: http://www.publico.pt/Sociedade/a-agressao-dirigida-a-pessoas-no-poder-pode-aumentar-tal-como-os-suicidios-1566799?p=2

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